Angélica Sátiro & Ana Miriam Wuensch
Digo que me encontro no conhecimento de uma única ciência: a do amor.
Esta é uma das afirmações atribuídas a Sócrates,
filósofo grego que desenvolveu com seus alunos uma metodologia fundamentada no
diálogo – e que até hoje nos influencia. O que ele descobriu, há mais de 2.500
anos, foi que podemos interagir conosco e com os outros; e que essas interações
estão relacionadas. Pelo diálogo, nos descobrimos e descobrimos o outro.
Entretanto, isso só parece ser possível se considerarmos o outro e a nós mesmos
como AMIGOS. E o que é amizade senão uma forma de amar?
O educador brasileiro Paulo Freire afirmava que o
diálogo é o encontro amoroso dos homens, que, mediatizados pelo mundo, o
“pronunciam”, isto é o transformam e, transformando-o, o humanizam para a
humanização de todos. De acordo com essa afirmação de Paulo Freire, o diálogo,
além de ser encontro, é amoroso. É ele que nos torna humanos e nos mantém em relação
com o mundo.
Somos uma sociedade carente de diálogo. A maioria
das relações é unilateral: só uma fala. O outro só ouve. É assim na família, na
escola, no trabalho, com os
governantes. No cotidiano, nossa
sociedade não tem tempo de dialogar. Essa falta de diálogo gera cisões,
frustrações e incomunicabilidade. Uma reclamação comum é entoada quase em
uníssono: “Mas você não me ouviu!”.
- Diálogo não é um tipo qualquer de conversação. Não basta que cada um expresse sua opinião. As falas vão além da necessidade de falar por falar. As falas vão ao encontro do interlocutor.
Nessa perspectiva, quando falamos com alguém, isso
nos permite considerar melhor o uso das palavras. O implícito torna-se
explícito. Por isso, acabamos esclarecendo para nós mesmos o que antes só conhecíamos
de modo difuso.
Ao aprender a valorizar a palavra falada,
aprendemos também a valorizar a nossa fala e a fala do outro. Isso permite o
início do aprendizado do ouvir e do dialogar. Nesse movimento dialético,
aprendemos a expressar nossos
pensamentos, a ouvir o
outro, e a partir
da fala dele, elaborar e reelaborar a
nossa. É como se nesse movimento fosse sendo tecida uma
fina teia de pensamentos e relações. E haveria linha
melhor para fiar esse tecido do que a do amor?
Platão
acreditava que a linguagem fosse uma espécie de pharmakon, palavra
grega que significa, ao mesmo tempo, remédio, veneno e cosmético. Seria medicamento na medida
em que, pelo diálogo, desvelássemos nossa própria ignorância e qprendêssemos
com os demais. Seria veneno se nos
deixássemos seduzir por ela, sem indagar sobre a falsidade ou a veracidade do
que nos foi dito. Seria cosmético se
mascarássemos, dissimulássemos e / ou ocultássemos a verdade sob as palavras.
A
palavra tem poder encantatório, reúne o sagrado e o profano. Esta é a razão
pela qual quase todas as religiões apresentam as figuras do oráculo e o profeta
– meios escolhidos pelo divino para dialogar com os humanos. Esse poder mágico
e religioso da palavra aparece também no contexto jurídico. Jurar dizer a
verdade e não fazê-lo é considerado crime. Quando se dá a própria palavra, está
se dando a própria vida, a honra, a consciência.
Nossa
relação com a palavra começa quando, ainda pequenos, entramos em contato com
quem se fala. Se desde cedo as crianças conviverem em espaços dialógicos, este
modelo será internalizado. Isso ajudará a torná-las mais capazes de pensar em
múltiplas perspectivas, de respeitar a fala dos outros e de colocar voz nas
próprias idéias. Se as gerações crescerem assim, ajudariam a tornar o mundo
mais razoável, mais humano e, portanto, mais amoroso. Porque diálogo permite a
melhoria das relações. O diálogo é uma obra aberta, geradora de prazer. Isso
poderia criar espaço para a continuidade da descoberta de si mesmo, do mundo e
do outro, para trocas efetivas e para a admiração diante do novo.
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